terça-feira, 19 de maio de 2015

Black Himalay


Black Himalay foi o perfume da vez!
Considero este perfume Noir uma grande criação.
A grande designer-perfumista Simone Shitirt, é o "nez" que eu precisava ter, como contraponto.
Com ela, minha conexão com o cliente se faz cada vez mais forte. Com nosso contato aprendi muito. Aprendi principalmente a me deixar de lado e somente casar muito bem o brief que ela me fornece. Com isso, os outros clientes lucram, pois nossa conexão fica mais fácil e forte, portanto maior é a probabilidade de nosso perfume dar certo.
Quando montamos um perfume, o cliente e eu, fazemos uma dupla musical, com canto e contra-canto, em harmonia bonita. Junto com os aromas, compomos uma sinfonia com uma orquestra aromática. O cliente entoa e eu sou o instrumento por onde passa seu sopro. Quanto maior a sincronicidade, melhor.
Com Simone, aprendi isso e a me soltar em suas melodias. Não me dá nenhum receio de criar - e ousar.
Buscamos juntas a luz e se eu for conduzida às regiões das trevas, vou sem medo de errar.
Leiam seu depoimento, em seu blog, "+ Que Perfume", sobre nosso trabalho conjunto, a sua criação em chiaroscuro, "Black Himalay".

http://maisqueperfume.blogspot.com.br/2015/05/black-himalay-edp-my-very-own-blend.html?spref=fb

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Propaganda enganosa? (3)

E por falar em sintéticos...
Na perfumaria industrial, compor um perfume não deve ser nada fácil. Imagine.
O perfumista recebe um brief. Nesse brief vem a ideia do perfume, a "molécula*" que ele vai ter que usar, quanto ele irá gastar, tempo determinado para apresentar um perfume, junto com mais 7 químicos. Dessas 8 amostras, é retirada uma, deixa-se uma na reserva e as outras 6 passam para o arquivo particular do perfumista que a compôs. Em cada 20 tentativas, é certo que o perfumista consiga em torno de 3 sucessos.
Com seu perfume eleito, irão perfumar um ambiente, uma linha de cosméticos, um sabonete, um produto de banho, um shampoo, um desinfetante, um sabão em pó.  Perfumista designer de perfumaria famosa, com vidros requintados e comercial na TV é a ave mais rara. Deve ter uns 250 no mundo e não tem lá muita liberdade para criar...
Quanto ao termo natural, então, a confusão é generalizada.
 O que é natural? Um aroma que veio da natureza ou parece ter vindo da natureza ou que imita a natureza.
Pois há os aromas dos óleos essenciais, que são produzidos a partir da própria planta; os idênticos ao natural, que são aromas montados a partir de compostos naturais (sintetizados no lab, mas que a natureza também produz ou isolados de outra fonte), imitando a composição do óleo essencial natural, e o sintético, que é um aroma que a natureza nunca produziu.
A indústria sempre irá preferir trabalhar com o sintético ou com o idêntico e não é só preço o diferencial. Há muito óleo essencial barato (laranja, limão, alecrim, capim-limão, lavanda, patchouli) e essência muito cara, como as ironas, os sandalores, geosmin, jasmone etc.
É que o óleo essencial da planta apresenta muita variação de partida para partida. Às vezes a procedência não é a mesma: a rosa búlgara é diferente da marroquina; o lavandim grosso da França é muito inferior ao da Patagônia; a tuberosa de Grasse é mais refinada que a indiana, a íris de Florença é a melhor do mundo.
Mesmo dentro da mesma procedência, há variação, pois um ano chove demais, o outro é mais seco, a variação no teor de água e luz, já irão fazer o óleo presente no vegetal ser de qualidade diferente, prevalecendo uma faceta ou outra.
Também há os problemas políticos, que influem, e muito: a guerra da Somália, faz com que o fornecimento de mirra vinda de lá fique precário. Rosa de Damasco????? O incentivo para o plantio de cana, no Brasil, derrubou e muito a produção de laranjas e cítricos, em geral.
Tudo isso sem falar no fator transporte, manipulação, processo de destilação, destilador usado, pressão de vapor, técnicas, etc.
O produto industrial não tem variação, portanto fica mais fácil se obter um perfume padronizado, com as moléculas* certinhas, com suas características mais uniformes, para vender em quantidades comerciais.
Além disso há o fator ecológico/econômico: Se a União Europeia quisesse produzir morango para o fabrico de flavorizante sabor/aroma morango. Não haveria território para que se plantasse mais nada. O flavorizante sabor/aroma morango é o de maior demanda no mundo inteiro e é usado desde o recheio do wafer até o shampoo, do iogurte ao chocolate recheado. Bate até a baunilha!!! O sintético é providencial, pois se formos aromatizar e flavorizar o mundo, com aromas óleos essenciais naturais, não há natureza que chegue.
Mas e aí? Deu para entender o que é natural?
Agora vou parar, senão não faço mais nada.

* Molécula, no caso, se refere à substância criada por outro perfumista, na indústria de essências, que agradou o perfumista de marketing (traduz o que o público demanda para o perfumista que irá confeccionar o perfume e vice versa). Molécula também é outro conceito esquisito, em perfumaria.

sábado, 9 de maio de 2015

Propaganda enganosa? (2)

E bergamota, então? Todos os gaúchos, catarinenses, paranaenses, acham que bergamota é mexerica, que é mandarina, em perfumês. Não é! Bergamota é outro cítrico, de sabor amargo/azedo. Sua casca tem aroma floral e não a pungência da mandarina. É menor, mais redondinha e seu aroma é melhor quando é a zest, com a casca ainda verdinha. Na Sicília, sul da Itália, Ásia Menor, Norte da África. 
É com o aroma da bergamota que se aromatiza o chá Earl Gray. Que delícia!
Adoro bergamota, não tenho nada contra a mandarina, mas é outra espécie, outra flor, outro fruto, outra coisa.
Aí vem o que se chama de nota. Que cacofonia!!! Nota pode ser um aroma, com que se compõe um bouquet. Um aroma que pertença a um acorde. Pode ser uma nota sintética, uma natural (o que não quer dizer que seja um óleo essencial de nenhum vegetal), ou seja, aroma de rosa, por exemplo, é natural, embora possa ser uma essência de rosa o aroma de que se fala. Pronto!!!! Que confusão.
Uma nota, então podemos chamar de aroma. um só, singular. Uma nota.
Vejamos uma pequena lista de notas naturais que não correspondem ao óleo essencial da planta.
morango, pêssego, maçã, melancia, abacaxi, cereja, frutas, em geral. Tudo sintetizado em laboratório. Mas naturais porque são aromas que imitam a natureza.
Oud.
Em perfumes comerciais, o oud é sempre o mesmo: sintético. Um oud mais seco, que imita o Assam Indiano. Mas cada oud natural tem uma característica própria. Talvez amadeirado, amargo, às vezes com acentos de cacau, amendoim, suor. Musgo, bolor, às vezes um fantasma, uma presença, um "ruh". Terroso, molhado, edáfico, canforado, medicinal, amendoado, florido, fecal, aéreo, aroma de curral, cada um é único. Não tem um oud só medicinal, com aquele cheiro de bandaid usado, que tem o sintético. É uma nota (olha a nota) rica e variada e não pode ser colocada em um só compartimento. Perfumaria natural tem suas nuances!
E assim vamos. Continua...

sábado, 2 de maio de 2015

Propaganda enganosa?

Não se iluda com nomes pomposos. Muitas vezes, a planta que desprende o aroma está ali do seu lado.
Há plantas brasileiras que estão presentes em muitos perfumes de casas finérrimas.
favas de cumaru ou tonka

A campeã disparada é a "fava tonka" (Dipteryx odorata), conhecida localmente como fava de cumaru. Dá tonalidade doce, compõe as notas carameladas.

Também do Norte, há "bois de rose" (Aniba rosaeodorata), o pau rosa, que de tanto ser extraído, acabou ficando ameaçado de extinção. Ainda bem que há na ilha de Silves, uma plantação sustentada, que é onde se obtém pau rosa Ecocert.
Mandarina (Ah! Cheirosa!) é mexirica (Uh! Fedida!).
Cilantro é a folha de coentro. Coentro é a semente.
Âmbar, então, tem de três tipos:
1- Âmbar fóssil.
Resina de coníferas fossilizadas desde o Carbonífero. As árvores cicatrizam suas feridas com seiva. Algumas seivas se transformam em resinas. A seiva das coníferas é abundante, translúcida e de cor ambarada, variando desde o marrom até o amarelo citrino. Costuma aprisionar os bichinhos que são atingidos pelo derramamento de seiva. Cola, de verdade. Com os milênios, aprisionada dentro da terra, essa resina se cristalizou em gemas de âmbar fóssil.
Esta resina muito pouco tem a ver com aroma, perfume e perfumaria. Alguns fizeram  a destilação do âmbar fóssil triturado e o aroma é bastante esquisito, de resina queimada. O âmbar é usado em joalheria artesanatos finos, como cabo de bengalas chiquérrimas, enfim, como artigo de luxo.
2- Ambargris - Poderoso fixador e nota de realce, em perfumaria. Trata-se do vômito e do cocô do cachalote. Endurecido e curtido, flutuando abaixo da linha d'água, no mar tomando sol e chuva, durante muito tempo, até encalhar em alguma praia.
 O cachalote se alimenta de lulas, que apresentam mandíbulas em forma de bico de papagaio,  que durante o processo de digestão, arranham as paredes do tubo digestório do cachalote. Esse bico então é envolto por sucos digestórios e restos alimentares, formando uma bola, que é eliminada em forma de vômito ou de fezes, tanto faz. O ambargris é aromático. Tem cheiro de mar, de perfume, de gordura e de cocô. Tudo ao mesmo tempo. Foi muito usado na indústria de perfumaria, mas devido a seu preço ser muito elevado e a indústria química conseguir sintetizar em laboratório bons substitutos para o ambargris, a perfumaria industrial do mundo todo usa ambares sintéticos.
3 - Acorde Âmbar, Base âmbar ou "Amber Antique" -  Procurando imitar o efeito e fixação do ambargris, muitos perfumistas compõem seu acorde âmbar. É um blend feito com benjoim, labdanum e baunilha em diferentes proporções (cada perfumista, que sempre vai querer dar um toque pessoal, mudando as proporções de cada elemento, colocando alguma nota  a mais na sua base âmbar). Então temos dois ingredientes naturais importantes na perfumaria que se chamam âmbar, fora as variações sintéticas desses mesmos ingredientes. Também existe a possibilidade de destilação do âmbar fóssil! Portanto, imaginem a confusão.

Vou continuar este assunto. Agora me cansei!



Aventuras de uma calabrisella.

Messina vista da balsa (no dia seguinte... claro!).

Sempre que viajamos, eu tenho que garimpar meu dia de OE e matéria-prima. Tenho, por direito, mais que as 24 horas que me são concedidas, mas desta vez foram somente umas 4 horas de uma tarde e mais umas 4, de uma manhã. O local era Messina, na Sicília.
Mas para me ajudar, meus avós eram calabreses e isso não é pouco. Calabrês tem fama de testa dura, cappatosta, aquele que quando enfia uma ideia na cabeça.... ai ai ai!
Só para ilustrar:
Era uma vez um calabrês que decidiu ir para Roma, a pé. Andou muitas léguas e apareceu Jesus e disse: "Para onde você vai?" "Para Roma".
"Mas a pé? sem sapato? é muito longe! Você não vai porque eu vou transformar você em um sapo e você vai ficar no brejo durante um mês!"
Depois de um mês, o calabrês, tranquilamente segue caminhando. Quase em Nápolis, chega Jesus e diz:"Não é possível que você seja tão obstinado! Se Eu disse que você não vai para Roma, é porque você vai ficar um mês naquele charco, transformado em sapo!"
Depois de um mês, ele continua caminhando e quando tinha que cruzar as montanhas, Jesus apareceu novamente. E antes que Jesus pudesse falar alguma coisa, o calabrês avisa: "Eu vou para Roma e o brejo é alí."
Sei falar algum italiano, suficiente para manter uma conversa fácil. Entendo mais do que falo, mas me viro bem.
Chegamos a Messina por volta do meio dia, fomos procurar um lugar para comer, nos indicaram um, bem debaixo do nariz, mas como tudo nesta minha vida é complicado, andamos quilômetros até acharmos uma tratoria, bem sofrível.. Antipasto contado, vinho muito ácido, comida meio repetitiva, pouca salada.
Ao voltarmos, a ideia na cabeça: preciso ir atrás de óleo essencial. Tinha falado de antemão com o primo, que tinha topado ir junto comigo, estava tranquila.
Se precisasse de mais dinheiro, ele me emprestaria. Entrei na net, e eles foram "descansar um pouco". Eram 2h e 30 min.
Nosso hotel era mais soturno que a Catacumba dos Capuchinos, em Palermo. O porteiro sinistro, sorriu quando pedi para ele me fazer uma ligação para a fábrica de OE. Sorriu dizendo, "No facciamo la telefonata in questo hotel! A la staggione, tu cerca il telephono pubblico".
Pedi informação a uma mulher que atendia a loja de revistas. Me deu um olhar de Medusa e, com fúria, me indicou a direção do telefone.
O primeiro da fila (de três), estava sem fio, o segundo estava enguiçado e o terceiro funcionava, mas apenas com moedinhas de 20c e eu tinha somente quatro. Tentei trocar mais, mas ninguém tinha. Até tornei a encarar a Medusa, que se recusou a me responder.
Com meu intalhano, fui falar ao telefone e consegui dizer que era brasileira e trabalhava com perfumaria, que queria ir à fábrica, se era possível. Veio a resposta longínqua, precisa marcar horário com antecedência.
Veio o lado realista colocar ordem:"larga a mão disso, Sagulla, não vai dar certo!" E fui direto ao rank de taxis. Um taxista que tinha me dado informação sobre como encontrar nosso fantasmagórico hotel (urgh!), mandou-me à frente da fila. Fui e perguntei se ficava muito caro para ir à fábrica, que ficava na zona industrial, em um subúrbio. "È lontano!" e o tempo mudava rapidamente. Nuvens negras se agitando no céu e perguntei quanto tempo levaria, se ele ficaria comigo enquanto estivesse na fábrica, ele disse que sim, mesmo porque eu jamais conseguiria um taxi de lá, para a cidade..... E ficou então combinado que ele me levaria por uma certa exorbitância.
E o lado realista, mais uma vez, disse: "é loucura, deixa pra lá..."
Entrei no taxi e falei, andiamo!
Desabava o maior toró. Perguntei ao taxista se ele tinha celular e ele prontamente ligou para a fábrica, conversou com a gerência, pediu o favor de me receberem, pois eu viajaria de Messina no dia seguinte e não haveria tempo de conversar, blá blá, o rapaz era bom de conversa e já estava se tornando meu amigo. O dono concordou se chegássemos antes da fábrica fechar, às 5h e 30 min. E já passava das 4h. Perguntei para o Silvio, quanto tempo leva? Ele me deu uma piscada e falou: "dieci minuti" e transformou a van em um hidro-avião.
Chegamos sob chuva pesada e fria, num bunker com uma tremenda porteira de aço. Cancela alta, eletrônica, Silvio falou no interfone, abriram a cancela.
Saímos para a chuva, sem proteção, diante de uma parede com uma porta de aço, como dois pintos molhados e fomos direto para as nuvens. Aromas deliciosos todos compondo um perfume todo especial, daquela fabrica de aromas.
Creio ter intimidado um pouco o Signore Luigi com a minha ousadia. E foi recíproco, pois quando eu pedi neroli ele falou que o representante da Shiseido tinha levado os 5 últimos litros e que só havia restado menos que meio litro. Respirei aliviada! Pedi 100ml (na verdade, devia ter pedido menos se tivesse mais juízo). Também a cidra, que pedi 250ml, só poderia ser vendida num peso mínimo de 2 quilos!!! Minha conta foi mais cara do que o dinheiro que eu tinha. Nem pestanejei, pedi dinheiro emprestado ao taxista, que já era como filho. Paramos no banco para tirar dinheiro com o cartão, para pagar a corrida.
E voltei ao hotel tiritando, com a garganta fechando, mas pisando no tapete vermelho, segurando o Oscar.
PS: E a pergunta final do Signore Luigi: " Dove a imparato italiano, signora?"
"I miei nonni erano calabresi" Ele se deu um tapinha na testa e muitos risos, para terminar nossa conversa.