sábado, 2 de maio de 2015

Aventuras de uma calabrisella.

Messina vista da balsa (no dia seguinte... claro!).

Sempre que viajamos, eu tenho que garimpar meu dia de OE e matéria-prima. Tenho, por direito, mais que as 24 horas que me são concedidas, mas desta vez foram somente umas 4 horas de uma tarde e mais umas 4, de uma manhã. O local era Messina, na Sicília.
Mas para me ajudar, meus avós eram calabreses e isso não é pouco. Calabrês tem fama de testa dura, cappatosta, aquele que quando enfia uma ideia na cabeça.... ai ai ai!
Só para ilustrar:
Era uma vez um calabrês que decidiu ir para Roma, a pé. Andou muitas léguas e apareceu Jesus e disse: "Para onde você vai?" "Para Roma".
"Mas a pé? sem sapato? é muito longe! Você não vai porque eu vou transformar você em um sapo e você vai ficar no brejo durante um mês!"
Depois de um mês, o calabrês, tranquilamente segue caminhando. Quase em Nápolis, chega Jesus e diz:"Não é possível que você seja tão obstinado! Se Eu disse que você não vai para Roma, é porque você vai ficar um mês naquele charco, transformado em sapo!"
Depois de um mês, ele continua caminhando e quando tinha que cruzar as montanhas, Jesus apareceu novamente. E antes que Jesus pudesse falar alguma coisa, o calabrês avisa: "Eu vou para Roma e o brejo é alí."
Sei falar algum italiano, suficiente para manter uma conversa fácil. Entendo mais do que falo, mas me viro bem.
Chegamos a Messina por volta do meio dia, fomos procurar um lugar para comer, nos indicaram um, bem debaixo do nariz, mas como tudo nesta minha vida é complicado, andamos quilômetros até acharmos uma tratoria, bem sofrível.. Antipasto contado, vinho muito ácido, comida meio repetitiva, pouca salada.
Ao voltarmos, a ideia na cabeça: preciso ir atrás de óleo essencial. Tinha falado de antemão com o primo, que tinha topado ir junto comigo, estava tranquila.
Se precisasse de mais dinheiro, ele me emprestaria. Entrei na net, e eles foram "descansar um pouco". Eram 2h e 30 min.
Nosso hotel era mais soturno que a Catacumba dos Capuchinos, em Palermo. O porteiro sinistro, sorriu quando pedi para ele me fazer uma ligação para a fábrica de OE. Sorriu dizendo, "No facciamo la telefonata in questo hotel! A la staggione, tu cerca il telephono pubblico".
Pedi informação a uma mulher que atendia a loja de revistas. Me deu um olhar de Medusa e, com fúria, me indicou a direção do telefone.
O primeiro da fila (de três), estava sem fio, o segundo estava enguiçado e o terceiro funcionava, mas apenas com moedinhas de 20c e eu tinha somente quatro. Tentei trocar mais, mas ninguém tinha. Até tornei a encarar a Medusa, que se recusou a me responder.
Com meu intalhano, fui falar ao telefone e consegui dizer que era brasileira e trabalhava com perfumaria, que queria ir à fábrica, se era possível. Veio a resposta longínqua, precisa marcar horário com antecedência.
Veio o lado realista colocar ordem:"larga a mão disso, Sagulla, não vai dar certo!" E fui direto ao rank de taxis. Um taxista que tinha me dado informação sobre como encontrar nosso fantasmagórico hotel (urgh!), mandou-me à frente da fila. Fui e perguntei se ficava muito caro para ir à fábrica, que ficava na zona industrial, em um subúrbio. "È lontano!" e o tempo mudava rapidamente. Nuvens negras se agitando no céu e perguntei quanto tempo levaria, se ele ficaria comigo enquanto estivesse na fábrica, ele disse que sim, mesmo porque eu jamais conseguiria um taxi de lá, para a cidade..... E ficou então combinado que ele me levaria por uma certa exorbitância.
E o lado realista, mais uma vez, disse: "é loucura, deixa pra lá..."
Entrei no taxi e falei, andiamo!
Desabava o maior toró. Perguntei ao taxista se ele tinha celular e ele prontamente ligou para a fábrica, conversou com a gerência, pediu o favor de me receberem, pois eu viajaria de Messina no dia seguinte e não haveria tempo de conversar, blá blá, o rapaz era bom de conversa e já estava se tornando meu amigo. O dono concordou se chegássemos antes da fábrica fechar, às 5h e 30 min. E já passava das 4h. Perguntei para o Silvio, quanto tempo leva? Ele me deu uma piscada e falou: "dieci minuti" e transformou a van em um hidro-avião.
Chegamos sob chuva pesada e fria, num bunker com uma tremenda porteira de aço. Cancela alta, eletrônica, Silvio falou no interfone, abriram a cancela.
Saímos para a chuva, sem proteção, diante de uma parede com uma porta de aço, como dois pintos molhados e fomos direto para as nuvens. Aromas deliciosos todos compondo um perfume todo especial, daquela fabrica de aromas.
Creio ter intimidado um pouco o Signore Luigi com a minha ousadia. E foi recíproco, pois quando eu pedi neroli ele falou que o representante da Shiseido tinha levado os 5 últimos litros e que só havia restado menos que meio litro. Respirei aliviada! Pedi 100ml (na verdade, devia ter pedido menos se tivesse mais juízo). Também a cidra, que pedi 250ml, só poderia ser vendida num peso mínimo de 2 quilos!!! Minha conta foi mais cara do que o dinheiro que eu tinha. Nem pestanejei, pedi dinheiro emprestado ao taxista, que já era como filho. Paramos no banco para tirar dinheiro com o cartão, para pagar a corrida.
E voltei ao hotel tiritando, com a garganta fechando, mas pisando no tapete vermelho, segurando o Oscar.
PS: E a pergunta final do Signore Luigi: " Dove a imparato italiano, signora?"
"I miei nonni erano calabresi" Ele se deu um tapinha na testa e muitos risos, para terminar nossa conversa.

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