quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

O Baile de Fim de Ano...

Há certos produtos que eu faço, que me dão trabalho! Processos demorados, complicados, para conseguir finalizar com um produto de boa qualidade. Durante estes anos que estou me empenhando em aprender a confecção de produtos perfumaria de antiquário, tenho apanhado bastante. E há um produto, na verdade o primeiro que eu criei, o sabonete de cinzas, que sempre me dá um baile, por isso, um deles se chama Cinderella. Há também o Casa Grande e o Oxé Dudu.
Desde o zero, o sabonete de cinza começa como na foto acima. Acendendo o fogão de lenha com as folhas da araucária, que pegam fogo loguinho e num instante acendem os galhos de jatobá. Escolho a lenha, sempre o que queima rápido por ser resinoso, vem na frente, como pinho, eucalipto, jatobá, quaresmeira. Depois as madeiras mais duras, que me dão uma cinza muito boa de potassa.
Você pode pensar, mas qualquer cinza não seria boa? Sim, pode acabar em sabão. Mas a minha vai virar sabonete...
Coleto a cinza com uma pá de metal e uma vassoura de capim, que eu também faço. Coloco gentilmente em meu caldeirãozinho de ferro, já todo sovado de cinza...
E trago para casa, para fazer a decoada. Percolo a cinza com água fervente, dela sai uma barrela escura, rica em sais minerais, principalmente hidróxido de potássio, a postassa cáustica, que vai reagir com os ácidos graxos das gorduras que eu selecionar e irá compor o sabonete.
No Casa Grande, uso soda cáustica, misturada com a potassa (faz tempo que não faço este sabonete lindo!). No Cinderella, somente uso soda, quando a minha barrela não ficou forte o suficiente para virar sabão, mas é raro. No Oxé Dudu, o combinado é não ter soda.
Muitos me pediram a receita. Eu já fiz até o passo a passo, mas francamente, é chato! Ninguém tem paciência de esperar cozinhando sabão durante dias a fio, às vezes semanas, para depois ficar curtindo meses e meses na forminha e depois secando para depois ser cortado.
Da fabricação à venda, o tempo é de 4 a 6 meses.
Primeiro ele vai para o tacho, para vaporizar a água, até estar em uma consistência leite condensado e vai então para o caldeirão. Desta panela de 5 litros, o rendimento aproximado será de uns 2 litros de sabão. o que dá uns 2,5 kg.
Ele encolhe bem!
Esta partida explodiu! Sim, a cinza contém enxofre, potássio, amônia, e enquanto o sabonete ferve, os ácidos graxos da gordura se separam da glicerina e BUM! Nitroglicerina, na parada!
Nesta hora, uma ligeira virada na colher e o sabão vira vulcão.
Aliás, sabonete de cinza é a maior razão de ter construído uma sabonetaria separada da casa! Estava cansada destas explosões vulcânicas dentro da perfumaria!!!
Não é à toa que São Floriano é protetor dos saboeiros e dos bombeiros! Viva!
Perigoso, né? E fede! Sim, são alguns dias de fedor de sabão de cinza invadindo a casa!
Outra razão para ficar lá fora!
Mas se é trabalhoso, complicado e perigoso, por que não paro de fazer sabonete de cinza? Porque o sabonete final é um produto incrível, que me vale o apelido carinhoso, de Xabru. As explosões são fenomenais (risada cavernosa)!!!
Depois que vai para a forma, ainda vai perder muita água. Você pode reparar, na foto acima, a marca inicial de nível do sabão, e quanto desceu. E vai descer ainda mais.
A água vai evaporando lentamente e o sabonete vai endurecendo. Sai para o corte como se fosse uma barra de doce de leite.
Na pele, seu efeito é suavemente esfoliante, rico em sais, equilibra o tônus da pele, deixa a pele super limpa, reduzindo as manchas, marcas de espinhas, pequenas cicatrizes. Tudo com toque de veludo.
Sempre tem alguém que diz:"Minha avó sempre fazia! Com a gordura usada da cozinha, com sebo, com banha de porco, com a cinza que estivesse no borralho e com lixívia de soda. Um sabão que era enrolado à mão e acondicionado em palhas de milho. Não tinha um cheiro nada agradável, mas era excelente para a pele!"
Mas minha barra de sabonete de cinza é feita com ceras, óleos, manteigas vegetais de primeira qualidade. Nesta última partida usei manteiga de ucuuba e murumuru, cera de abelha, óleo de dendê, coco babaçu, própolis. O toque aveludado e cremoso vem acompanhado de espuma rica e densa.
E o perfume! Para perfumar sabonete de cinza precisa ter experiência! Caso contrário vai gastar óleo essencial sem medida e continuará fedido.
"Ah! ensina o segredo?"
Não! Se explodir e você se queimar, a culpa será toda minha!
Assinado, Xabru!

domingo, 27 de dezembro de 2015

2015, um ano de muita atividade.

Neste ano que finda, viajei bastante. A primeira viagem do ano foi de lazer, para aprender, conversar, fazer contato, conseguir ingredientes. As outras todas foram a trabalho, dando oficina, conhecendo gente, ensinando o que aprendo e o que faço.
Foi um ano completo, que determinou o que será, daqui adiante. Com planos de trabalho, alguns desapontamentos, recompensas, alegrias, tristezas, ganhos, perdas, modificações, mudanças, revoluções e evoluções.
Apesar da alta nas moedas fortes do mundo, em comparação com o real, consegui não subir demais os preços, sem me prejudicar. Infelizmente, fica difícil acompanhar essas oscilações de moedas, quando a maioria do seu material de trabalho é importada.
O ano foi bom também no curso da Natural Perfume Academy, pois há uma turma determinada a estudar e produzir e isto, para mim é altamente compensador.
Além da perfumaria teórica, a prática foi intensa, também. Trabalhei bastante, embora pudesse ter trabalhado mais. A intenção é ativar a confecção de sabonetes, que ficou meio parada porque a confecção de perfumes foi maior, ocupando mais espaço do que a sabonetaria permitia. Agora foi ampliada. Vou ativar mais esta parte, também.
Durante o segundo semestre, traduzi um livro, que em breve divulgarei. Um trabalho bem legal, aprendi muito com ele. Ano que vem será o lançamento do livro, que tenho certeza fará muito sucesso em seu meio especializado, pois está muito bonito e é um livro muito bom. Muitas pessoas terão oportunidade de aprender com ele, também.
Agora, estou organizando a agenda para 2016 e já tenho um primeiro semestre bastante agitado!
Vou tentar ir atualizando tudo, por aqui, dando um resumo do que aconteceu.
Muito grata aos meus filhos queridos, ao companheiro, aos amigos do coração. Muito grata a 2015, por  tudo que consegui realizar.
A todos os leitores desta página, um grande abraço de Ano Novo e que reine a paz e o sucesso!

sábado, 6 de junho de 2015

PDD - Perfume do Dia: Ane Walsh Para Henrique Brito - Fleur de Canelle

PDD - Perfume do Dia: Ane Walsh Para Henrique Brito - Fleur de Canelle: Notas: Esprit de Rose Triple, Esprit de Fleur d'Orangeur, Esprit de Cassie, Esprit de Vanille, Canela, Amêndoas Amargas, Jasmim, Mimo...



Este foi típica perfumaria de antiquário.

Pensei em algo com feições antigas. Copiei uma fórmula de Septimus Piesse, meu velho amigo, e adaptei à canela, mas uma canela bem florida. Uns toques de leveza daqui, uma harmonia mais sintética ali, para combinar com o estilo do Henrique, uma inventividade acolá, para combinar com a imaginação picante que ele tem.

Ele diz que o perfume se parece com o Champs-Elisés, da Guerlain. Não duvido nada que esta casa famosa não tenha se inspirado também, nas ideias de Piesse...

Tenho faro!

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Jardim de Monet

Queria conhecer os jardins de Monet.
Ver de verdade essa ponte tão bonita que ele retratou e as nymphaeae, sim, em latim, porque parecem ninfas. Em português parecem feias e isso não são.
O Henrique me deu a tarefa de colocá-las em um quadro de Monet, cheio de reflexos d'água e plantas em flor, dentro de um frasco de perfume.
Usei o tom terroso úmido do mitti attar, para começar, e lírio do brejo, cuja essência vem do rizoma aquoso e aromático, ligeiramente especiado. Usei vetiver, porque é raiz e fica bem em qualquer lugar que precise de uma tonalidade terra. E lotus attar, lírio d'água (que é exatamente a nymphaea branca) e umas combinações secretas. Algumas gotinhas de iso E super em baixa concentração, sugerindo a ponte de madeira, feita pelo homem.
Usei gulhina para simbolizar o cheiro de terra molhada, narciso, para as margens do riacho.
E muitas outras essências secretas misturadas com cuidado, na medida certa.
Dos perfumes que fiz para o Henrique, é o que eu mais amo.
Monet buscava pintar as imagens refletidas na água, eu procurei refletir esse reflexo.
Dei o nome da família botânica a que pertencem essas lindas flores, que parecem ninfas das águas lênticas.
NYMPHAEACEAE.

Se quiser saber o que o Henrique falou, aqui está o link para o seu blog, PDD - Perfume do dia.

http://pddperfumedodia.blogspot.com.br/

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Shwarzwald...

Uma vez, fui para a Alemanha, de trem, para München. Passando por uma floresta escura eu vi uma família de corças. Aqueles lindos cervos com chifres retorcidos, não, eram as corças e os filhotes, em bando. Ficaram observando calmamente enquanto o trem passava e eu, chorando de emoção ao ver pela primeira e única vez aquelas criaturas tão lindas, que logo saíram pulando em um baile descontrolado, para dentro da floresta dos Irmãos Grimm. Era cedo, muito cedo, acho que no trem inteiro, a acordada era eu...
Também é dessa época tão longínqua, a lembrança da torta Floresta Negra supimpa que minha ex-sogra fazia.
Sim, era a autêntica, com cerejas no bolo nevado de chantilly...
Foi pensando nesta direção, que fiz o perfume do Rick.
A esta época, tinha acabado de sair um novo óleo essencial na Laszlo, de folha de pessegueiro. A minha avaliação do aroma, dizia: Intenso aroma de cerejas. Daria para compor um bolo!
Logo em seguida o Henrique me veio com essa ideia!!! Sincronicidade.

Leia a visão do compositor do brief em 

http://pddperfumedodia.blogspot.com.br/2015/06/ane-walsh-para-henrique-brito-floresta.html
 Estou ficando tão metida!!!

terça-feira, 2 de junho de 2015

PDD - Perfume do Dia: Ane Walsh para Henrique Brito - Mokka Lounge (aceita um cafezinho?)




 Ambiente de "lounge" de um piano-bar Costa Cafe, em Londres. Poltronas de couro, ambiente intimista, cafezinhos deliciosamente servidos com chocolates e biscoitinhos.

  Para compor Moka Lounge
Pensei em um ambiente parecido, talvez um pouco mais intimista, menor, menos iluminado, mas mais ou menos assim.
Mas o café do Costa me parecia pouco...
Queria um café fresquinho, torrado e moído em casa, servido com bolo de coco, no fim de uma tarde friorenta, perto do fogão de lenha. Não servia outro tipo. Aquele velho Moka, que cheirava tão bem!!!
Junto com estes elementos, compus um couro também diferente do feito com a velha combinação de bétula ou wintergreen e sim, usando paramela, fabiana e palo santo, para compor o que batizei de "couro argentino", pois os três ingredientes vem da Argentina.
O Henrique ficou satisfeito quando recebeu, mas agora o perfume maturou e ficou ainda melhor... AH! muito lindo!



PDD - Perfume do Dia: Ane Walsh para Henrique Brito - Mokka Lounge: Notas Mokka Lounge:  Paramela, fabiana, palo santo. tintura de labdanum, tintura de íris, sandalo mysore, buddha wood, zdravetz, massoia,...

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Papier d'arménie

O que acontece com um perfumista "'couture"' é engraçado. O tempo todo está criando, portanto é para quem gosta de criar em bastante quantidade. O tempo todo está com um brief diferente nas mãos, o que é excelente para gente turbinada. Há uma fila, portanto vc tem que fazer tudo bem rápido. A criação é como na indústria, atrelada ao brief, limitada pelo cliente e pelo tempo, regrada pela obediência. Você tem liberdade para usar sintéticos, isolados, naturais, o que bem o cliente entender. Você pode interferir nas ideias e dar muitos palpites mas a liberdade é condicional. Gosto de tudo isso. Aprendi fazendo poesia, que o verso branco pode ser lindo, mas existem trovas, haicais, sonetos, com suas rimas e métricas, regras que vc deve tentar obedecer, senão não tem técnica. E a técnica é bem importante!
Com isso, a experiência é bombástica, pois você faz muitíssimos perfumes sempre e sempre, aprende muito de teoria e prática e realmente coloca as mãos à obra.
Lembro-me, com certa nostalgia, do tempo em que ficava a me deter em uma criação, por meses, até concluir um perfuminho, que poderia ser legal ou não.
Agora, todos tem que ser bacanas, pois as minhas ideias contam mais, na hora de harmonizar, de confeccionar, de equilibrar a fórmula para concluir o perfume, cujo brief me foi passado pelo cliente, cujas notas foram escolhidas e desejadas pelo cliente.
Só eu sei o quanto cresci e me aperfeiçoei nesta atividade. Enquanto perfumista, minha técnica evoluiu exponencialmente.
Com as atividades nas oficinas e curso pela Natural Perfume Academy, meu tempo se reduz ainda mais. Então fico com muitos "ovos de perfume" estocados na cabeça, sem fazer, pois não há tempo e quando há tempo, há algo urgente que precisa ser feito, antes de compor os meus negócios.
Agora um armário novo para bagunçar a vida em prol da organização da minha tralha, urgente-urgentíssimo!!!
Afinal, não há tempo nem de fazer as criações antigas, tais como o sabonete de mel, os de perfumes raros, como oud, rosas, flor de laranjeira, jasmim, lótus... Agora, não está dando mais tempo nem de fazer aqueles mais comuns, como o de calamina, de índigo, de carvão...
Estou precisando de mais um par de mãos, de mais umas 24 horas em cada dia, para poder dar conta de todas as atividades e o que me dá mais vontade de fazer, nessas horas é queimar papier d'armenie e divagar num blog...
Obrigada, Amanda!

terça-feira, 19 de maio de 2015

Black Himalay


Black Himalay foi o perfume da vez!
Considero este perfume Noir uma grande criação.
A grande designer-perfumista Simone Shitirt, é o "nez" que eu precisava ter, como contraponto.
Com ela, minha conexão com o cliente se faz cada vez mais forte. Com nosso contato aprendi muito. Aprendi principalmente a me deixar de lado e somente casar muito bem o brief que ela me fornece. Com isso, os outros clientes lucram, pois nossa conexão fica mais fácil e forte, portanto maior é a probabilidade de nosso perfume dar certo.
Quando montamos um perfume, o cliente e eu, fazemos uma dupla musical, com canto e contra-canto, em harmonia bonita. Junto com os aromas, compomos uma sinfonia com uma orquestra aromática. O cliente entoa e eu sou o instrumento por onde passa seu sopro. Quanto maior a sincronicidade, melhor.
Com Simone, aprendi isso e a me soltar em suas melodias. Não me dá nenhum receio de criar - e ousar.
Buscamos juntas a luz e se eu for conduzida às regiões das trevas, vou sem medo de errar.
Leiam seu depoimento, em seu blog, "+ Que Perfume", sobre nosso trabalho conjunto, a sua criação em chiaroscuro, "Black Himalay".

http://maisqueperfume.blogspot.com.br/2015/05/black-himalay-edp-my-very-own-blend.html?spref=fb

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Propaganda enganosa? (3)

E por falar em sintéticos...
Na perfumaria industrial, compor um perfume não deve ser nada fácil. Imagine.
O perfumista recebe um brief. Nesse brief vem a ideia do perfume, a "molécula*" que ele vai ter que usar, quanto ele irá gastar, tempo determinado para apresentar um perfume, junto com mais 7 químicos. Dessas 8 amostras, é retirada uma, deixa-se uma na reserva e as outras 6 passam para o arquivo particular do perfumista que a compôs. Em cada 20 tentativas, é certo que o perfumista consiga em torno de 3 sucessos.
Com seu perfume eleito, irão perfumar um ambiente, uma linha de cosméticos, um sabonete, um produto de banho, um shampoo, um desinfetante, um sabão em pó.  Perfumista designer de perfumaria famosa, com vidros requintados e comercial na TV é a ave mais rara. Deve ter uns 250 no mundo e não tem lá muita liberdade para criar...
Quanto ao termo natural, então, a confusão é generalizada.
 O que é natural? Um aroma que veio da natureza ou parece ter vindo da natureza ou que imita a natureza.
Pois há os aromas dos óleos essenciais, que são produzidos a partir da própria planta; os idênticos ao natural, que são aromas montados a partir de compostos naturais (sintetizados no lab, mas que a natureza também produz ou isolados de outra fonte), imitando a composição do óleo essencial natural, e o sintético, que é um aroma que a natureza nunca produziu.
A indústria sempre irá preferir trabalhar com o sintético ou com o idêntico e não é só preço o diferencial. Há muito óleo essencial barato (laranja, limão, alecrim, capim-limão, lavanda, patchouli) e essência muito cara, como as ironas, os sandalores, geosmin, jasmone etc.
É que o óleo essencial da planta apresenta muita variação de partida para partida. Às vezes a procedência não é a mesma: a rosa búlgara é diferente da marroquina; o lavandim grosso da França é muito inferior ao da Patagônia; a tuberosa de Grasse é mais refinada que a indiana, a íris de Florença é a melhor do mundo.
Mesmo dentro da mesma procedência, há variação, pois um ano chove demais, o outro é mais seco, a variação no teor de água e luz, já irão fazer o óleo presente no vegetal ser de qualidade diferente, prevalecendo uma faceta ou outra.
Também há os problemas políticos, que influem, e muito: a guerra da Somália, faz com que o fornecimento de mirra vinda de lá fique precário. Rosa de Damasco????? O incentivo para o plantio de cana, no Brasil, derrubou e muito a produção de laranjas e cítricos, em geral.
Tudo isso sem falar no fator transporte, manipulação, processo de destilação, destilador usado, pressão de vapor, técnicas, etc.
O produto industrial não tem variação, portanto fica mais fácil se obter um perfume padronizado, com as moléculas* certinhas, com suas características mais uniformes, para vender em quantidades comerciais.
Além disso há o fator ecológico/econômico: Se a União Europeia quisesse produzir morango para o fabrico de flavorizante sabor/aroma morango. Não haveria território para que se plantasse mais nada. O flavorizante sabor/aroma morango é o de maior demanda no mundo inteiro e é usado desde o recheio do wafer até o shampoo, do iogurte ao chocolate recheado. Bate até a baunilha!!! O sintético é providencial, pois se formos aromatizar e flavorizar o mundo, com aromas óleos essenciais naturais, não há natureza que chegue.
Mas e aí? Deu para entender o que é natural?
Agora vou parar, senão não faço mais nada.

* Molécula, no caso, se refere à substância criada por outro perfumista, na indústria de essências, que agradou o perfumista de marketing (traduz o que o público demanda para o perfumista que irá confeccionar o perfume e vice versa). Molécula também é outro conceito esquisito, em perfumaria.

sábado, 9 de maio de 2015

Propaganda enganosa? (2)

E bergamota, então? Todos os gaúchos, catarinenses, paranaenses, acham que bergamota é mexerica, que é mandarina, em perfumês. Não é! Bergamota é outro cítrico, de sabor amargo/azedo. Sua casca tem aroma floral e não a pungência da mandarina. É menor, mais redondinha e seu aroma é melhor quando é a zest, com a casca ainda verdinha. Na Sicília, sul da Itália, Ásia Menor, Norte da África. 
É com o aroma da bergamota que se aromatiza o chá Earl Gray. Que delícia!
Adoro bergamota, não tenho nada contra a mandarina, mas é outra espécie, outra flor, outro fruto, outra coisa.
Aí vem o que se chama de nota. Que cacofonia!!! Nota pode ser um aroma, com que se compõe um bouquet. Um aroma que pertença a um acorde. Pode ser uma nota sintética, uma natural (o que não quer dizer que seja um óleo essencial de nenhum vegetal), ou seja, aroma de rosa, por exemplo, é natural, embora possa ser uma essência de rosa o aroma de que se fala. Pronto!!!! Que confusão.
Uma nota, então podemos chamar de aroma. um só, singular. Uma nota.
Vejamos uma pequena lista de notas naturais que não correspondem ao óleo essencial da planta.
morango, pêssego, maçã, melancia, abacaxi, cereja, frutas, em geral. Tudo sintetizado em laboratório. Mas naturais porque são aromas que imitam a natureza.
Oud.
Em perfumes comerciais, o oud é sempre o mesmo: sintético. Um oud mais seco, que imita o Assam Indiano. Mas cada oud natural tem uma característica própria. Talvez amadeirado, amargo, às vezes com acentos de cacau, amendoim, suor. Musgo, bolor, às vezes um fantasma, uma presença, um "ruh". Terroso, molhado, edáfico, canforado, medicinal, amendoado, florido, fecal, aéreo, aroma de curral, cada um é único. Não tem um oud só medicinal, com aquele cheiro de bandaid usado, que tem o sintético. É uma nota (olha a nota) rica e variada e não pode ser colocada em um só compartimento. Perfumaria natural tem suas nuances!
E assim vamos. Continua...

sábado, 2 de maio de 2015

Propaganda enganosa?

Não se iluda com nomes pomposos. Muitas vezes, a planta que desprende o aroma está ali do seu lado.
Há plantas brasileiras que estão presentes em muitos perfumes de casas finérrimas.
favas de cumaru ou tonka

A campeã disparada é a "fava tonka" (Dipteryx odorata), conhecida localmente como fava de cumaru. Dá tonalidade doce, compõe as notas carameladas.

Também do Norte, há "bois de rose" (Aniba rosaeodorata), o pau rosa, que de tanto ser extraído, acabou ficando ameaçado de extinção. Ainda bem que há na ilha de Silves, uma plantação sustentada, que é onde se obtém pau rosa Ecocert.
Mandarina (Ah! Cheirosa!) é mexirica (Uh! Fedida!).
Cilantro é a folha de coentro. Coentro é a semente.
Âmbar, então, tem de três tipos:
1- Âmbar fóssil.
Resina de coníferas fossilizadas desde o Carbonífero. As árvores cicatrizam suas feridas com seiva. Algumas seivas se transformam em resinas. A seiva das coníferas é abundante, translúcida e de cor ambarada, variando desde o marrom até o amarelo citrino. Costuma aprisionar os bichinhos que são atingidos pelo derramamento de seiva. Cola, de verdade. Com os milênios, aprisionada dentro da terra, essa resina se cristalizou em gemas de âmbar fóssil.
Esta resina muito pouco tem a ver com aroma, perfume e perfumaria. Alguns fizeram  a destilação do âmbar fóssil triturado e o aroma é bastante esquisito, de resina queimada. O âmbar é usado em joalheria artesanatos finos, como cabo de bengalas chiquérrimas, enfim, como artigo de luxo.
2- Ambargris - Poderoso fixador e nota de realce, em perfumaria. Trata-se do vômito e do cocô do cachalote. Endurecido e curtido, flutuando abaixo da linha d'água, no mar tomando sol e chuva, durante muito tempo, até encalhar em alguma praia.
 O cachalote se alimenta de lulas, que apresentam mandíbulas em forma de bico de papagaio,  que durante o processo de digestão, arranham as paredes do tubo digestório do cachalote. Esse bico então é envolto por sucos digestórios e restos alimentares, formando uma bola, que é eliminada em forma de vômito ou de fezes, tanto faz. O ambargris é aromático. Tem cheiro de mar, de perfume, de gordura e de cocô. Tudo ao mesmo tempo. Foi muito usado na indústria de perfumaria, mas devido a seu preço ser muito elevado e a indústria química conseguir sintetizar em laboratório bons substitutos para o ambargris, a perfumaria industrial do mundo todo usa ambares sintéticos.
3 - Acorde Âmbar, Base âmbar ou "Amber Antique" -  Procurando imitar o efeito e fixação do ambargris, muitos perfumistas compõem seu acorde âmbar. É um blend feito com benjoim, labdanum e baunilha em diferentes proporções (cada perfumista, que sempre vai querer dar um toque pessoal, mudando as proporções de cada elemento, colocando alguma nota  a mais na sua base âmbar). Então temos dois ingredientes naturais importantes na perfumaria que se chamam âmbar, fora as variações sintéticas desses mesmos ingredientes. Também existe a possibilidade de destilação do âmbar fóssil! Portanto, imaginem a confusão.

Vou continuar este assunto. Agora me cansei!



Aventuras de uma calabrisella.

Messina vista da balsa (no dia seguinte... claro!).

Sempre que viajamos, eu tenho que garimpar meu dia de OE e matéria-prima. Tenho, por direito, mais que as 24 horas que me são concedidas, mas desta vez foram somente umas 4 horas de uma tarde e mais umas 4, de uma manhã. O local era Messina, na Sicília.
Mas para me ajudar, meus avós eram calabreses e isso não é pouco. Calabrês tem fama de testa dura, cappatosta, aquele que quando enfia uma ideia na cabeça.... ai ai ai!
Só para ilustrar:
Era uma vez um calabrês que decidiu ir para Roma, a pé. Andou muitas léguas e apareceu Jesus e disse: "Para onde você vai?" "Para Roma".
"Mas a pé? sem sapato? é muito longe! Você não vai porque eu vou transformar você em um sapo e você vai ficar no brejo durante um mês!"
Depois de um mês, o calabrês, tranquilamente segue caminhando. Quase em Nápolis, chega Jesus e diz:"Não é possível que você seja tão obstinado! Se Eu disse que você não vai para Roma, é porque você vai ficar um mês naquele charco, transformado em sapo!"
Depois de um mês, ele continua caminhando e quando tinha que cruzar as montanhas, Jesus apareceu novamente. E antes que Jesus pudesse falar alguma coisa, o calabrês avisa: "Eu vou para Roma e o brejo é alí."
Sei falar algum italiano, suficiente para manter uma conversa fácil. Entendo mais do que falo, mas me viro bem.
Chegamos a Messina por volta do meio dia, fomos procurar um lugar para comer, nos indicaram um, bem debaixo do nariz, mas como tudo nesta minha vida é complicado, andamos quilômetros até acharmos uma tratoria, bem sofrível.. Antipasto contado, vinho muito ácido, comida meio repetitiva, pouca salada.
Ao voltarmos, a ideia na cabeça: preciso ir atrás de óleo essencial. Tinha falado de antemão com o primo, que tinha topado ir junto comigo, estava tranquila.
Se precisasse de mais dinheiro, ele me emprestaria. Entrei na net, e eles foram "descansar um pouco". Eram 2h e 30 min.
Nosso hotel era mais soturno que a Catacumba dos Capuchinos, em Palermo. O porteiro sinistro, sorriu quando pedi para ele me fazer uma ligação para a fábrica de OE. Sorriu dizendo, "No facciamo la telefonata in questo hotel! A la staggione, tu cerca il telephono pubblico".
Pedi informação a uma mulher que atendia a loja de revistas. Me deu um olhar de Medusa e, com fúria, me indicou a direção do telefone.
O primeiro da fila (de três), estava sem fio, o segundo estava enguiçado e o terceiro funcionava, mas apenas com moedinhas de 20c e eu tinha somente quatro. Tentei trocar mais, mas ninguém tinha. Até tornei a encarar a Medusa, que se recusou a me responder.
Com meu intalhano, fui falar ao telefone e consegui dizer que era brasileira e trabalhava com perfumaria, que queria ir à fábrica, se era possível. Veio a resposta longínqua, precisa marcar horário com antecedência.
Veio o lado realista colocar ordem:"larga a mão disso, Sagulla, não vai dar certo!" E fui direto ao rank de taxis. Um taxista que tinha me dado informação sobre como encontrar nosso fantasmagórico hotel (urgh!), mandou-me à frente da fila. Fui e perguntei se ficava muito caro para ir à fábrica, que ficava na zona industrial, em um subúrbio. "È lontano!" e o tempo mudava rapidamente. Nuvens negras se agitando no céu e perguntei quanto tempo levaria, se ele ficaria comigo enquanto estivesse na fábrica, ele disse que sim, mesmo porque eu jamais conseguiria um taxi de lá, para a cidade..... E ficou então combinado que ele me levaria por uma certa exorbitância.
E o lado realista, mais uma vez, disse: "é loucura, deixa pra lá..."
Entrei no taxi e falei, andiamo!
Desabava o maior toró. Perguntei ao taxista se ele tinha celular e ele prontamente ligou para a fábrica, conversou com a gerência, pediu o favor de me receberem, pois eu viajaria de Messina no dia seguinte e não haveria tempo de conversar, blá blá, o rapaz era bom de conversa e já estava se tornando meu amigo. O dono concordou se chegássemos antes da fábrica fechar, às 5h e 30 min. E já passava das 4h. Perguntei para o Silvio, quanto tempo leva? Ele me deu uma piscada e falou: "dieci minuti" e transformou a van em um hidro-avião.
Chegamos sob chuva pesada e fria, num bunker com uma tremenda porteira de aço. Cancela alta, eletrônica, Silvio falou no interfone, abriram a cancela.
Saímos para a chuva, sem proteção, diante de uma parede com uma porta de aço, como dois pintos molhados e fomos direto para as nuvens. Aromas deliciosos todos compondo um perfume todo especial, daquela fabrica de aromas.
Creio ter intimidado um pouco o Signore Luigi com a minha ousadia. E foi recíproco, pois quando eu pedi neroli ele falou que o representante da Shiseido tinha levado os 5 últimos litros e que só havia restado menos que meio litro. Respirei aliviada! Pedi 100ml (na verdade, devia ter pedido menos se tivesse mais juízo). Também a cidra, que pedi 250ml, só poderia ser vendida num peso mínimo de 2 quilos!!! Minha conta foi mais cara do que o dinheiro que eu tinha. Nem pestanejei, pedi dinheiro emprestado ao taxista, que já era como filho. Paramos no banco para tirar dinheiro com o cartão, para pagar a corrida.
E voltei ao hotel tiritando, com a garganta fechando, mas pisando no tapete vermelho, segurando o Oscar.
PS: E a pergunta final do Signore Luigi: " Dove a imparato italiano, signora?"
"I miei nonni erano calabresi" Ele se deu um tapinha na testa e muitos risos, para terminar nossa conversa.